Reflexões

07 fevereiro 2014



Olá pessoas! Hoje apresentarei pra vocês o terceiro capítulo de “Destino”!
Para quem ainda não leu o s dois primeiros, deixarei os links abaixo:




No link abaixo, poderão baixar a terceira carta de Natália para a Fênix:


É isso aí, espero que gostem e acompanhem todas as sextas os capítulos dessa emocionante história. E não deixem de comentar, sua opinião é muito importante.  ;)
Boa leitura!

TERCEIRA LIÇÃO – Indo Cada Vez Mais Fundo...

Não era fácil entender, ou era ainda cedo demais para pensar em entender os desígnios do destino. De uma hora para a outra a vida passa de uma sucessão de vitórias a uma grande derrota e acaba com todos os sonhos, exclui todas as expectativas. Em um momento Natália é uma pessoa normal e feliz, segundos depois está em uma cama de hospital, quase morta. Justo ela, que desperdiçara tanto tempo para não fazer coisa alguma. Frequentemente ficava em casa sozinha, enquanto os amigos passeavam e se divertiam pela cidade. Quando insistiam em levá-la, Natália dizia que estava ocupada, que já tinha outro compromisso, que marcara um encontro, entre tantas outras desculpas que inventava para fazer parecer que era alguém importante, que era lembrada pelo mundo, que tinha amigos melhores para se divertir e coisas realmente importantes a fazer.

Em nenhuma das vezes isso foi verdade. Fazia isso por que tinha vergonha, não tinha dinheiro para frequentar os mesmos lugares a que o pessoal do escritório costumava ir, tinha medo de não saber como se comportar em meio aos colegas, patrões e, em certas ocasiões especiais, com clientes mais próximos. Não queria fazer feio, não podia arriscar o emprego da sua vida. Chorava de vez em quando, pensando que sua solidão seria eterna e que apesar de estar rodeada de parentes e alguns vizinhos de apartamento, estaria condenada a passar o resto de seus dias presa ao trabalho, ou no pequeno apartamento de três cômodos, onde não tinha liberdade sequer de ouvir suas músicas favoritas.

A perspectiva agora era outra: perdera um tempo precioso, deixara de viver enquanto a vida passava como um filme na sua frente. De todos os sentimentos que lhe afloraram no coração quando recebera a notícia da sua doença, o pior foi o arrependimento por não ter feito nada. Arrependimento por ter sido covarde a vida toda e deixado as outras pessoas decidirem quase tudo por ela. Até mesmo o minúsculo apartamento em que vivia havia sido escolhido a dedo pelo pai e a mãe. Ela não questionara. Era sempre preferível “engolir sapos” a começar uma briga. Só que agora ela sentia a garganta sufocar com todos os sapos mal engolidos que ficaram entalados na garganta, esperando uma oportunidade de saltar para fora. E saltavam pelos olhos em forma de lágrimas.
Naquele exato momento, Natália tomou a decisão: jamais deixaria de viver! Aproveitaria cada ocasião como se fosse a última, como de fato, poderia realmente ser. Começaria a dizer “sim” para as oportunidades que lhe eram oferecidas e as viveria o mais intensamente possível. Sairia. Dançaria. Cantaria. Todas estas coisas que adorava fazer, mas morria de vergonha. Agora não precisava mais mentir para os outros e para si, mostraria quem era de verdade e estava preparada para ouvir a desaprovação de quem quer que fosse. Já não teria que se incomodar com as opiniões alheias como fizera o tempo todo.

 Ela morreria logo e então se tornaria apenas uma lembrança para aqueles que a amavam. Pelos que não a amavam, não seria sequer lembrada e isso lhe parecia consolador. Jurou para si mesma que quando deixasse de vez o hospital, iria esforçar-se para fazer tudo o que sempre sonhara. Pegaria sua bicicleta e sairia mundo a fora, sem rumo nem destino certo. Caminharia até a praia todo fim de tarde para ver o sol se pôr e nas manhãs de verão subiria ao último andar do prédio mais alto, só para vê-lo nascer. Comeria alguns pratos exóticos que sempre sonhara experimentar, como sushi, caviar e acarajé. Não ficaria mais nenhum dia sem se deliciar com o chocolate que ela adorava, nem que isso lhe levasse todo o salário do mês. Pediria ao síndico do prédio um espaço vazio e abandonado no fundo do terreno e dedicaria suas horas vagas à jardinagem. Sempre quis passar algum tempo mexendo na terra, mas infelizmente, as horas de folga eram escassas e ela preferira descansar na solidão do seu quarto a praticar qualquer coisa que pudesse lhe dar algum prazer. Por pensar em prazer, lembrou-se de que precisava arranjar um namorado, com urgência. Não queria morrer sem conhecer o amor verdadeiro e, como estava prestes a partir, não havia mais tempo para esperar o príncipe encantado. E depois, sua mãe dizia sempre que o amor se aprende, por que não tentar? Natália era jovem, mas já não era mais uma menina. Estava mais que em tempo de levar um relacionamento a sério.

Enquanto esperava o diagnóstico e fazia mais e mais exames, Natália continuava a planejar seu breve futuro. A cada minuto lhe ocorriam ideias mais loucas, vontades que ela mesma imaginava serem ridículas antes, mas que agora eram totalmente sensatas. Desejos escondidos, vontade de dizer para as pessoas coisas que jamais tivera coragem para contar. Desejava profundamente passar mais tempo na companhia de pessoas queridas, seus pais, irmãos, amigos e Andrew que não se enquadrava na questão “família” porque não era seu irmão, nem na questão “amigos”, porque era bem mais do que um amigo. Ela soube que ele estivera ali, visitando-a, enquanto ainda estava desacordada. Perguntou para uma das enfermeiras se havia recebido visitas e comentou que não gostaria de ter sido vista em coma. A mulher descreveu Andrew como a sua única visita. Reconfortou-se ao saber que seus pais não foram ao hospital. Não queria que a vissem naquele estado lastimável, principalmente o pai, que era um homem muito nervoso. Imaginou que Andrew havia sido designado mensageiro da família neste caso, e também imaginou que ele tinha apreciado a missão.

Andrew gostava de passar o tempo visitando doentes e asilos. Ele sempre lhe contava estórias estranhas e era muito difícil não acreditar nelas. Jurava ver a morte acompanhando as pessoas a quem restava pouco tempo de vida e usava sempre um pequeno lenço vermelho amarrado ao pulso, dizendo que era para se proteger. Natália não tinha muitas lembranças felizes de sua infância com Andrew. Ele sempre fora uma criança diferente e por isso mesmo ela se aproximara dele. Sentia pena toda vez que o via na escola, sendo motivo de chacotas. Os colegas adoravam infernizá-lo, mas Natália logo se tornou sua defensora. Ele estava sempre isolado das outras crianças, geralmente com papel e lápis à mão, fazendo desenhos estranhos. Quando ela sentou-se ao seu lado pela primeira vez no recreio, pensou que o menino iria morrer de tanto pavor! Encolheu os braços instintivamente em frente ao rosto, como se Natália fosse lhe dar uma bofetada. Ela assustou-se e pensou em correr para longe dele, mas olhou em volta, observou as outras crianças que brincavam sem se importar com a solidão e o desespero do menino ali sentado naquele banco gelado de cimento, sempre sozinho e esquecido. Viu que se ela não falasse com ele, se ela não o salvasse, ninguém mais o faria. Reuniu suas forças, tentando convidar o menino esquisito para brincar, mas quando abriu a boca, tudo o que saiu foi um trêmulo “oi”.

No fundo, Andrew lhe causava arrepios. Parecia um morto-vivo, um zumbi saído de um filme de terror. Tinha a pele muito clara e olheiras arrochadas ao redor dos olhos. Vestia-se sempre com roupas escuras que Natália imaginava ser um tremendo mau gosto da mãe do garoto. Mas para sua surpresa, o menino respondeu o seu cumprimento, no mesmo tom de voz, expressando o mesmo medo por ela, e foi a mesma sensação de arrepio que Natália percebeu percorrer o corpo do garoto, atingindo os pelos dos antebraços desnudos por causa das mangas curtas da blusa. A partir daquele dia, tornaram-se inseparáveis. Natália era o escudo de Andrew e impedia que as outras crianças o maltratassem. Chegava a elogiar os desenhos macabros do menino, tentando iluminar seu rosto solitário com um sorriso, mas um esboço de sorriso era tudo o que conseguia.

Natália não sabia explicar por que estavam unidos até hoje. Tantos anos haviam passado e ela continuava sendo o escudo de Andrew. Sentia como se tivesse nascido para protegê-lo, como se esta fosse a sua razão de viver. Certo dia ela comentou com Andrew como era impressionante as pessoas já nascerem destinadas desta forma, como ela fora destinada a ele para defendê-lo do mundo. Para sua surpresa Andrew reagiu ironicamente dizendo que era engraçado e perguntando-lhe quantas pessoas como ele — ou mais indefesas do que ele — havia na face da Terra e como ela nunca se preocupara em proteger nenhuma delas. Natália não soube responder, sentiu-se egoísta. Andrew então explicou que ela não fora destinada a ele e que cada um fazia sua própria escolha na vida. Ela fizera a escolha de estar com ele em momentos difíceis e embaraçosos, apenas isso. Depois do sermão, abraçou-a docemente e beijou-lhe a face. Permaneceram por longo tempo abraçados, sem dizer nada, refletindo cada instante que passaram juntos.
Ela aguardaria o retorno de Andrew ao hospital. Certamente alguém já havia avisado a família de que ela retomara a consciência e no dia seguinte ele deveria retornar. Ela queria perguntar se ele via a morte ao seu lado. Tinha certeza de que ele não responderia e se conseguisse mesmo ver a morte a acompanhando, mentiria. De qualquer maneira, ela lhe faria uma surpresa, porque não estava nem um pouco deprimida, como era de se esperar, mas ao contrário, animara-se em pensar que sua vida começaria quando deixasse o hospital. Ela era apenas um bebê, ou um feto, esperando a hora certa de romper a bolsa da vida que a sufocava e renascer para uma nova fase, cheia de liberdade e descobertas. Agora pretendia descobrir o que realmente significava o livre arbítrio. Já não precisaria mais fazer o que não gostava. Poderia escolher se andaria ou não dentro da lei ou dos princípios morais e éticos, tão comentados no escritório Vasconcellos Ferraz. Começaria também imediatamente, um curso superior em direito. Pretendia dizer aos docentes tudo o que pensava ser errado, expor toda sua indignação, nem que fosse apenas para sentir o gosto de desafiar as pessoas bem mais experientes do que ela, como tantas vezes teve vontade de fazer com seus chefes e seus clientes, mas não pôde. Queria mostrar que, apesar de não ter estudado, ela não era uma leiga. Provaria que estudara muito, muito mesmo e que possivelmente, sabia dez vezes mais sobre os códigos jurídicos do que a metade dos advogados com quem trabalhava. Agora podia. Podia fazer o que bem entendesse e essa era uma sensação maravilhosa que ela jamais sonhara sentir. Também não precisaria se preocupar em pagar as mensalidades: arrancaria o dinheiro do seguro-saúde para a matrícula e depois, empurraria as parcelas com a barriga até chegar a hora de partir deste mundo. Como ninguém podia cobrar dívidas dos defuntos...

Quanto mais ela pensava e planejava como seriam seus últimos dias de vida, mais animada ficava em relação às expectativas felizes das quais se enchera. Teve de ser sedada para conseguir dormir porque a excitação era grande e ela queria demais começar a sua jornada rumo à liberdade, rumo à felicidade. Então o calmante começou a fazer efeito, mas ela fixara esse desejo em seu cérebro, para não esquecer e ter lindos sonhos. Seus olhos fecharam finalmente, mas a noite era escura e não tinha estrelas.

Raquel Pagno
www.raquelpagno.com    

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