No Meu Mundo...

Pessoal, está aí o segundo capítulo!

Boa leitura!  :D

CAPÍTULO 2

O automóvel vermelho se locomovia depressa, ultrapassando na rodovia de tráfico lento. As portas mal fechadas batiam e davam a impressão de que o Ford se desmancharia antes de chegar ao seu destino. Jéssica se agarrava na alça lateral superior com umas das mãos enquanto, com a outra, apertava forte o microcomputador junto ao corpo, tentando amenizar os impactos e solavancos causados pela falta de dois dos amortecedores.

De longe os dois puderam avistar as viaturas de uma barreira policial que parava os carros e os revistava, à procura de alguma coisa ilegal. Ricardo precisou diminuir a velocidade e logo um dos policiais sinalizou para que estacionasse. Jéssica tentou explicar-lhe que estavam muito atrasados para um compromisso importante, mas suas explicações de nada adiantaram. Perderam mais de vinte minutos na blitz. Ela já estava ficando com os nervos à flor da pele quando finalmente foram liberados e puderam seguir viagem. Ricardo teve medo de que algum detector de velocidade pudesse estar escondido no decorrer do caminho que teriam de percorrer e seguiu na velocidade indicada.

Os convidados e demais participantes estavam cansados. Não se podia admitir tamanho atraso de uma pessoa que estava prestes a assumir uma das cadeiras da Academia. Muitos já haviam saído. Eram pessoas ocupadas e não tinham tempo a perder esperando. Inclusive Cornélio.

Lá dos bastidores podiam-se ouvir as reclamações, e logo o responsável pelo centro de eventos resolveu subir ao palco e desculpar-se, porque a palestra teria de ser cancelada. No instante em que ele virou-se para subir a escadaria, Jéssica adentrou correndo, toda descabelada e esbaforida, seguida por Ricardo, ainda mais descabelado e exausto. O diretor deu meia-volta e tornou ao seu lugar na primeira fila da plateia.

Mais cinco minutos e lá estava ela. Ricardo lhe dava cobertura, como ela costumava dizer. Ajudava com o retroprojetor e organizava as lâminas a serem exibidas em sua sequência lógica, ou pelo menos, na sequência que ele imaginava ser lógica.

Nas poltronas, ninguém prestava atenção ao que era dito e explicado. O assunto das explosões solares de 2003 já não era mais novidade para nenhum dos presentes. Na verdade, esperavam ouvir algo novo, de impacto científico notável. Quando ela finalmente explicou sobre os erros de cálculo e a decodificação do codex maia, ninguém sequer ouviu. Mesmo assim permaneciam sentados ali, trocando conhecimentos e se exibindo ao máximo. A cada slide apresentado, menor a atenção dedicada às palavras da mulher ali em cima. Não demorou para que o salão estivesse quase que completamente vazio. Restaram apenas Ricardo, o diretor do local, um dos trinta e cinco membros do conselho de análise da Academia e o amigo fiel de Jéssica, o padre Victor Bonaventura.

Victor era italiano e morava no Brasil desde seus vinte e poucos anos, quando foi ordenado no próprio Vaticano. Formado em Teologia, como se espera de um padre, mas sempre teve muito conhecimento astrofísico também. Sua principal área de atuação é a parapsicologia, acostumado a lidar diariamente com casos de fraude em que as pessoas desafiam os estudiosos religiosos como ele, a polícia e até mesmo arriscam suas próprias vidas tentado provar falsos milagres e profecias enganosas. Em sua segunda especialização, graduou-se em História, pelo simples desejo de tentar retraduzir certos textos das Antigas Escrituras Sagradas, segundo Victor, seu maior desejo desde que resolveu seguir a vida religiosa. Mas não conseguiu realizar esse desejo. Por mais que se esforçasse durante seu tempo no Vaticano, nunca o deixaram ao menos entrar no local onde as escrituras foram guardadas em sigilo absoluto.

Foi enviado para a América Latina, onde teve a rara oportunidade de estudar os escritos deixados pelos antigos maias e que foram salvos depois da chegada dos europeus. Interessou-se cada vez mais pelo assunto, o que o fez pesquisar mais profundamente sobre a cultura maia, sua forma de contar o tempo e seu inacreditável conhecimento sobre os astros.

Era quase inconcebível que há tantos séculos esse povo extremamente sábio, pudesse ter adquirido tanto conhecimento sobre os astros celestes, assim como também era inconcebível que a Igreja Católica tivesse destruído tantas das suas escrituras e apagado parte importante da história desse povo, que do ponto de vista de Victor, era o mais evoluído que habitara as Américas. Seu interesse pela história dos maias não parou por aí. Quando ele visitou as antigas cidades e pôde ver com seus próprios olhos os observatórios e templos, teve a certeza que tanto temia: a profecia anunciada nos antigos textos era mais do que verdadeira, e o pior era que já em 1999 estava chegando a sua fase crucial.

Victor procurou o grupo de astrônomos da Academia, mas não foi sequer recebido. Tentou cientistas renomados, famosos por suas descobertas surpreendentes, mas em vão. Quando viu nos jornais e na televisão sobre o Planeta descoberto, procurou Cornélio. Ele era diferente dos outros cientistas e chamou-o ao seu gabinete, onde ficaram fechados e sozinhos. Porém aquele logo o colocou para fora de sua sala. Quando Jéssica viu que o professor o havia expulsado do laboratório, sentiu pena do homem e foi imediatamente ao seu encontro.

Victor não contou para Jéssica sobre a profecia maia, nem ao menos mencionou seus estudos baseados nos antigos textos. Teve medo de que ela também o enxotasse. Disse apenas que estava muito interessado em saber mais sobre o Planeta recém-descoberto, para entender melhor os desígnios de seu Deus. Assim, ela não fugiu dele e acabaram por tornar-se grandes amigos.

Jéssica sentia-se confortada ao pensar que tinha um padre ao seu lado. Não era uma pessoa religiosa e podia até ser considerada sem crença, como a maioria dos cientistas, por não frequentar nenhuma igreja ou culto religioso, mas encontrava em Victor uma espécie de paz espiritual.

Foi muito importante para ela poder contar com a sua ajuda para decifrar o codex e recalcular as datas. Juntos descobriram que havia um erro de oito anos entre o que a comunidade científica mundial imaginava que o codex dizia e o que realmente significava. Não tinha mais ninguém além dele e de Ricardo em quem pudesse confiar. Mas Victor era seu amigo preferido, porque ela percebia que ele não era leigo em astronomia como Ricardo, embora sempre que ela lhe perguntava onde ele tinha aprendido tanto, ele mudasse de assunto sem nunca responder diretamente.

Raquel Pagno

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