No Meu Mundo...

28 agosto 2015



Capítulo 4


Prossegui sempre rumo ao sul e quando cheguei ao deserto de Sur, deparei-me com uma multidão de excursionistas que afirmavam estar indo a Cafarnaun em busca do tal Messias. Abandonei temporariamente a caçada e decidi segui-los. Era muito estranho que tanta gente estivesse reunida em busca de um simples boato, afinal, se havia fumaça, teria de haver fogo.
Chegando à Galileia, comecei a me aproximar furtivamente das pessoas, tentando escutar as conversas que não variavam senão de um milagre a outro do homem que ali era chamado de “o Cristo”. Fiquei sabendo que ele mesmo se intitulava filho de Deus e que afirmava que viera para trazer o reino do Pai.
Deus. Bastou-me ouvir a menção ao Seu nome pra perceber de tudo realmente não passava de uma mera ilusão. Se realmente houvesse alguém lá em cima, um pai zeloso por todos os seus filhos, permitiria a existência de monstros como eu? Permitiria que os Quatro Primeiros tivessem surgido, praticamente com o objetivo de devorar toda a criação?
Sim, no mal eu acreditava. Eu era um monstro, não havia um único dia de minha vida que eu passasse sem me recordar da minha maldição ou não planejasse a minha vingança, nem que fosse de maneiras absurdas e totalmente surreais. Se Lúcifer existia, como dizia a lenda, nisso eu jamais havia pensado, pois se eu acreditasse em anjos também teria que crer no tal Deus. Não fazia parte da minha fé crer em nada além de demônios como eu.
Eu precisava arriscar, tinha que encontrar o galileu, dar um jeito de ficar a sós com ele e convencê-lo a trazer Kenora de volta. O amor certamente era um bom argumento. Qualquer um que afirmasse pregar em nome de Deus não teria coragem de recusar um pedido feito por amor, teria?
Passei alguns dias pelas redondezas, esperando o aparecimento do Cristo. A cada homem que se aproximava, acompanhado de mais alguns, meu estômago se revirava, imaginando que chegara a hora. Eu ouvira dizer que o Cristo andava acompanhado de uma pequena multidão. Alguns que se diziam “apóstolos” o seguiam a toda parte, disseminando as mesmas ideias e convencendo cada vez mais pessoas a segui-los.
Numa sexta-feira, alguém chegou ao acampamento onde eu me infiltrara com a notícia de que dali a dois dias o Messias chegaria a Jerusalém. Toda aquela gente ficou eufórica, alguns vinham pedir alguma graça, como era também o meu caso, outros apenas desejavam uma chance de seguir aquele a quem já haviam se convencido ser o filho do seu pai celestial.
Humanos. Tão fáceis de iludir. Sempre dispostos a acreditar em qualquer coisa, sempre tão desesperados. Presas fáceis e indefesas. Ponderei se, caso eu os atacasse, esse tal Messias poderia me impedir, se se arriscaria para salvá-los.
No fundo eu também compartilhava do mesmo desespero. Se não fosse verdade, eu não estaria ali, no meio daquelas pessoas, esperando pelo mesmo que eles: um milagre! Eu queria Kenora de volta com a mesma intensidade com que eles desejavam voltar a ver ou a andar.

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