Capítulo 4
Prossegui
sempre rumo ao sul e quando cheguei ao deserto de Sur, deparei-me com uma
multidão de excursionistas que afirmavam estar indo a Cafarnaun em busca do tal
Messias. Abandonei temporariamente a caçada e decidi segui-los. Era muito
estranho que tanta gente estivesse reunida em busca de um simples boato,
afinal, se havia fumaça, teria de haver fogo.
Chegando
à Galileia, comecei a me aproximar furtivamente das pessoas, tentando escutar
as conversas que não variavam senão de um milagre a outro do homem que ali era
chamado de “o Cristo”. Fiquei sabendo que ele mesmo se intitulava filho de Deus
e que afirmava que viera para trazer o reino do Pai.
Deus.
Bastou-me ouvir a menção ao Seu nome pra perceber de tudo realmente não passava
de uma mera ilusão. Se realmente houvesse alguém lá em cima, um pai zeloso por
todos os seus filhos, permitiria a existência de monstros como eu? Permitiria
que os Quatro Primeiros tivessem surgido, praticamente com o objetivo de devorar toda a criação?
Sim,
no mal eu acreditava. Eu era um monstro, não havia um único dia de minha vida
que eu passasse sem me recordar da minha maldição ou não planejasse a minha
vingança, nem que fosse de maneiras absurdas e totalmente surreais. Se Lúcifer
existia, como dizia a lenda, nisso eu jamais havia pensado, pois se eu
acreditasse em anjos também teria que crer no tal Deus. Não fazia parte da
minha fé crer em nada além de demônios como eu.
Eu
precisava arriscar, tinha que encontrar o galileu, dar um jeito de ficar a sós
com ele e convencê-lo a trazer Kenora de volta. O amor certamente era um bom
argumento. Qualquer um que afirmasse pregar em nome de Deus não teria coragem
de recusar um pedido feito por amor, teria?
Passei
alguns dias pelas redondezas, esperando o aparecimento do Cristo. A cada homem que se aproximava, acompanhado de mais alguns,
meu estômago se revirava, imaginando que chegara a hora. Eu ouvira dizer que o Cristo andava acompanhado de uma pequena
multidão. Alguns que se diziam “apóstolos” o seguiam a toda parte, disseminando
as mesmas ideias e convencendo cada vez mais pessoas a segui-los.
Numa
sexta-feira, alguém chegou ao acampamento onde eu me infiltrara com a notícia
de que dali a dois dias o Messias chegaria a Jerusalém. Toda aquela gente ficou
eufórica, alguns vinham pedir alguma graça, como era também o meu caso, outros
apenas desejavam uma chance de seguir aquele a quem já haviam se convencido ser
o filho do seu pai celestial.
Humanos.
Tão fáceis de iludir. Sempre dispostos a acreditar em qualquer coisa, sempre
tão desesperados. Presas fáceis e indefesas. Ponderei se, caso eu os atacasse,
esse tal Messias poderia me impedir, se se arriscaria para salvá-los.
No
fundo eu também compartilhava do mesmo desespero. Se não fosse verdade, eu não
estaria ali, no meio daquelas pessoas, esperando pelo mesmo que eles: um
milagre! Eu queria Kenora de volta com a mesma intensidade com que eles
desejavam voltar a ver ou a andar.
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