Capítulo 11
Voltar
a ser humano? Nunca em meus milênios de vida eu havia sequer imaginado aquela
possibilidade. Era tentadora.
—
Qual a moeda corrente no reino de seu Pai?
—
O perdão.
—
O perdão? — fiquei um pouco atordoado, de nenhuma forma esperava uma resposta
como aquela.
—
Exatamente. Eu vejo o que há dentro de si, a sua sede de vingança, a sua dor. E
eu te digo: eu posso trazê-la de volta, posso trazer você de volta, mas o preço será o seu perdão à criatura que fez
isso com vocês dois. Se você estiver disposto a perdoar, Asher.
Virei-me
de costas, o olhar apaziguador do Messias me desconcentrava.
Como,
como eu poderia perdoar? Eu trazia aquele ódio dentro de mim há milênios. Nunca
aprendi a cultivar bons sentimentos. Antes de Kenora aparecer, eu era apenas um
assassino frio o cruel. E quando finalmente conheci o amor, a mesma besta
apareceu para ceifá-lo junto com o último resquício de humanidade que eu
conservava.
Apertei
os olhos por um segundo e voltei a ver a luz dos olhos de Kenora se extinguindo
para sempre. Aquela era minha lembrança mais vívida. Senti uma dor aguda
atravessar meu peito. Sabia que a dor estaria ali toda vez que meus olhos se
fechassem.
Imaginei
encarar Kenora, viva outra vez. Como seria? Meu primeiro impulso era abraça-la,
correr para os seus braços e nunca mais sair de lá. Mas e depois? Quando eu
esbarrasse com Adramelech, teria força o suficiente para ignorar e prosseguir?
Não, eu não era assim tão forte. E eu sabia que, se Kenora fosse ressuscitada,
ele viria ao seu encontro outra vez.
Quase
não suportei o pensamento, minha bruxa sendo morta de novo. Não, eu não
aguentaria, mas não teria forças pra impedir. Eu falharia oura vez.
—
Eu não posso. — respondi, encarando-o e esperando ver um ar de reprovação. Mas
não foi isso que encontrei no fundo daqueles olhos, encontrei uma espécie de
compreensão, era como se ele realmente entendesse o que se passava dentro de
mim.
—
Então, eu não posso te ajudar. — ele se aproximou e tocou novamente a minha mão
e por uma fração de segundo a dor desapareceu.
Num
lampejo, quis responder alguma coisa, xingá-lo, acusar de charlatanismo, mas
não fiz nada disso, apenas observei enquanto ele caminhava de volta pelo mesmo
caminho de onde viera.
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