Boa leitura!
CAPÍTULO
29
O detetive Michael, que
ainda não conseguira falar com o delegado a sós, agora se aproximava
furtivamente de sua mesa desorganizada e repleta de papéis sujos. Postou-se ao
lado da cadeira de interrogatórios e ficou ali, calado, até que o delegado
gordo e sujo de molho de tomate quebrou o silêncio.
— O que quer, detetive?
— perguntou.
— Eu quero ser
interrogado.
— Como é? — perguntou o
delegado, incrédulo — Será que eu estou escutando direito? Você quer o quê?
— Quero ser interrogado.
O senhor esqueceu que me colocou no encalço dessa moça e que eu passei o dia
todo a segui-la por aí? Desculpe-me pela intromissão, mas o mínimo que o senhor
deveria fazer é ler o meu relatório antes de prender esses dois.
— E onde está o seu
relatório?
— Ainda não tive tempo
de prepará-lo. Vim direto para cá depois de sair da casa dos padres. Como
poderia ter tido tempo de preencher todos os formulários?
— Então como quer que
eu os leia? Por acaso isso é algum tipo de brincadeira?
— Não, senhor. Por isso
mesmo que eu faço questão de ser interrogado como testemunha. Não vou permitir
que uma injustiça seja cometida nesta delegacia por falta dos meus relatórios —
argumentou o detetive.
— Está bem, novato. Eu
vou ouvir o que você tem a dizer e aliviar sua frágil consciência. Mas não vá
se acostumando... Nem sempre vou estar disposto a chamar um escrivão para tomar
seus depoimentos. Não se acostume em atrasar-se com a entrega de seus
relatórios. Acho que você deveria ir preenchendo-os no decorrer do dia, como
fazem todos os outros. — O detetive sabia que o delegado estava zombando dele,
mas não respondeu. Saiu para o corredor estreito até encontrar uma pequena
copa, onde o escrivão de plantão tomava seu café tranquilamente. Ao voltar,
viram Jéssica e Ricardo esperando, exaustos, em um dos locais que eram usados
para deter os suspeitos até que fosse dada ordem de prisão ou de soltura. Ela o
encarou, olhos nos olhos. Seu corpo arrepiou-se. Queria dizer-lhe que a tiraria
de lá. Sabia que não fizera nada de errado. Viu quando ela entrou na casa
paroquial, acompanhada do jovem seminarista. Não tinham invadido coisa nenhuma
e não era certo deixá-la passar a noite naquele lugar fétido e úmido. Não
ficaria em paz se concordasse com tamanha injustiça.
Depois de esclarecer os
fatos e assinar abaixo de suas declarações, Michael aguardou que o delegado
fosse imediatamente soltar Jéssica e Ricardo, mas para sua decepção, isso não
ocorreu. O velho gordo o dispensou e mandou-o para casa. Já era tarde da noite.
Ele pensou se o padre Victor estava mesmo precisando das suas batinas no
hospital. Pelo menos poderia se oferecer para levá-las, juntamente com o livro
sagrado. Resolveu sugerir ao delegado, mas a resposta foi negativa mais uma
vez.
— Mas eles não
invadiram lugar algum! Eu já lhe disse que não tirei os olhos deles o dia todo!
Não roubaram nada e nem assaltaram aqueles dois incompetentes de lá! O senhor
não entende?
— O que é isso,
detetive? Está me desacatando? — perguntou o delegado.
— Não, senhor! Apenas
pensei que depois de ouvir toda a verdade o senhor os mandaria de volta para
casa. Não vejo necessidade de ficarem aqui, em um lugar como esse. Ela é uma
mulher e...
— Ela pode estar
correndo sérios perigos, detetive — interrompeu. — Eu entendo a sua
preocupação, mas não posso liberá-los. Eles precisam de proteção e não terão
isso lá fora. Tome, leia o depoimento da Senhorita Salles — disse ele
entregando as várias páginas em que ela descrevia, entre outras coisas, as
invasões ao seu apartamento. Ele as leu com atenção, procurando encontrar uma
explicação para as possíveis perseguições.
Michael era muito
astuto e, apesar de ser iniciante na carreira, já conseguira impressionar o
delegado. Resolvera um importante caso de assassinato então considerado sem
solução pela polícia. Quando estavam prestes a repassar o caso para os
federais, Michael simplesmente apareceu com uma dedução tão óbvia que
impressionou até mesmo os mais experientes. A primeira impressão que causava
nas pessoas era de um personagem saído de quadrinhos ou desenhos animados.
Mantinha seu estilo misto de Sherlock Holmes e Inspetor Bugiganga ao mesmo
tempo. Ele queria ser notado. Não se tornaria simplesmente mais um de terno e
gravata que circulavam no setor de investigação da DPRC. Quando conseguisse
alcançar a glória, as pessoas o reconheceriam, assim como reconheciam os heróis
dos filmes de ação, nos quais era viciado desde criança. Gentil e generoso.
Dotado de uma inteligência quase anormal, logo foi escolhido como o prodígio do
delegado. E todas as vezes que algum maluco, por um motivo mais maluco ainda,
aparecia para inquietar a vida do delegado, era a ele que recorria.
Raquel Pagno
www.raquelpagno.com
Finalmente estou próxima a poder acompanhar sem estar atrasada essa história e estou amando, afinal como não amar com um tema como esse? Com uma escrita tão bem desenvolvida e que prende o leitor a cada parágrafo. Estou amando, muito sucesso e continue assim porque quero muito saber o que irá acontecer!
ResponderExcluirBeijos
Achei que tinha comentado aqui, mas vamos lá...
ResponderExcluirMuito esperto esse detetive.
Aguardando o desenrolar da história, a cada novo capítulo fico mais curiosa.
“Acredite na justiça, mas não a que emana dos demais e sim na tua própria.” (Código Samurai)
Cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Oi Raquel, ótimo texto.
ResponderExcluirVocê escreve bem.
Mesmo não acompanhando do começo, deu para perceber que é uma história interessante.
Bjus
Lia Christo
www.docesletras.com.br